sexta-feira, 17 de junho de 2011
CACHECOL BORDÔ
SONETO PARA EUGÊNIA
O tempo que te alonga todo dia
é duração que colhes na paisagem,
tão distante e tão perto em ventania,
sitiando limites na viagem.
Desse mar que se afasta em maresia
o vago em teu olhar se faz aragem
nas vagas que se vão em vaga via
vigia de teus pés no vão das margens.
E o fio da teia vai fugindo fosco,
irreparável névoa pressentida
nos livros que não leste, nesses poucos
momentos que sobravam da medida.
Angústia de ponteiros, sol deposto,
no tédio das desoras foge a vida.
Vida que bem mereces por inteiro,
e é pouca a que te dou de companheiro.
Anibal Beça
CACHECOL GRAFITE
O CÃO
O cão da caravana acoita sarnas
pelos pêlos tragados de suor
que encarnam carnaduras já de cor
na salteada costa descarnada
O cão da caravana esconde as armas
o fogo e a cinza dessa cauda cor-
rente ao dorso de estrelas apagadas
se acendem cimitarras para a dor
Ao relho e aos ossos pó entre mil noites
dita a desdita escrita: Maktub!
E o cão se assenta dócil para o açoite
Mas lhe aguarda a tarefa de quem ladra
e exorcisa a baraka dos impuros
enquanto a vida caravana passa
Anibal Beça
quinta-feira, 16 de junho de 2011
CACHECOL DE CORRENTINHA
CZARDAS PARA SERROTES COM ARCOS DE VIOLINO E BERIMBAU DE LATA
Esta anábase é de hora aberta desnudada
tão desmedida como foi a minha vida
de nada me arrependo apenas me perdôo
por que meu vôo nem sequer se iniciou
E dessas nuvens que me espaçam esgarçadas
trapos e cordas dissonantes dessa lira
são acidentes de percurso em que recorro
como um Zenão o parafuso desse vôo
Assim nessa colméia em ziper me percorro
como um zangão no zigue-zague nos hexágonos
ando à procura de uma abelha desvairada
que me acompanhe na aventura pelos pântanos
exorcizando a desrazão desses escorços
essa não-ave desgarrada do meu nada
Anibal Beça
BOINA
JOROPO PARA TIMPLES E HARPA
Em duas asas prontas para o vôo
assim se foi em par a minha vida
e com rilhar de dentes me perdôo
trilhando as horas nuas na medida
Bilros tecendo rendas amarelas
bordando em vão um tempo já remoto
no sol dos girassóis da cidadela
canto um recanto que me faz devoto
A dor que existe em mim raiz que medra
no rastro mais sombrio as minhas luas
talvez não fora Sísifo ou a pedra
que encontro todo dia pelas ruas
ao revirar as heras nessa redra
trilhando na medida as horas nuas
Anibal Beça
quarta-feira, 1 de junho de 2011
CACHECOL
PRÓLOGO
Cavo a cova como um cavalo os cascos cava
se no cavá-lo invoca a fúria de ferir
E tanto mais se cava que a alma não se lava
e as águas já me levam léguas a fingir
Cava costura cavo à cava enviesada
e o talhe tinge a sombra em descaída pena
Nessa escritura a sina foge desgarrada
e o corte torce a mão e a garra do poema
E dono não sou mais senão o torto artífice
dessas linhas traçadas a dois e por um
E assim me assino esse uno e esse outro Majnun
que por louca paixão da noite é seu partícipe
mesmo sem Laila veste a dor e se vislumbra
nos lobos do deserto donos da penumbra
Anibal Beça
PAPAI NOEL
SONETO COM ESTRAMBOTE ENVIESADO
Alfaiate de mim costuro a roupa
que cabe ao figurino que me coube.
Só meu verso protege essa amargura
desfiada de dia ao sol veloz,
para à noite tecer nova textura,
novelo de silêncio ao rés da voz.
Enxoval construído nessa usura
solitária de andaimes, num retrós
de linha vertical, que se pendura
na pênsil teia atada, fio em foz
desse rio agulha que me costura
ao rendilhado de águas tropicais,
que sabe de saudades no meu cais.
Viageiro de uma sanha que me traz
sempre de volta ao tear do meu destino
na seda depressiva me assassino.
Anibal Beça
Alfaiate de mim costuro a roupa
que cabe ao figurino que me coube.
Só meu verso protege essa amargura
desfiada de dia ao sol veloz,
para à noite tecer nova textura,
novelo de silêncio ao rés da voz.
Enxoval construído nessa usura
solitária de andaimes, num retrós
de linha vertical, que se pendura
na pênsil teia atada, fio em foz
desse rio agulha que me costura
ao rendilhado de águas tropicais,
que sabe de saudades no meu cais.
Viageiro de uma sanha que me traz
sempre de volta ao tear do meu destino
na seda depressiva me assassino.
Anibal Beça
PORTA FÓSFOROS
MALA COM ALÇA
É da lama essa mala que retiro
para subir a encosta (como a pedra
que Sisifo ainda empurra todo dia)
numa viagem cheia de seqüelas.
Não há como negar tantos espinhos
na travessia turva de mistérios
que vão-se descobrindo nos caminhos:
a mão negada, a fome, o vitupério,
o rito solidário que esquecemos
em troca a vaidade transitória.
Somos do barro e ao barro voltaremos.
A verdade do Homem e de sua Hora
vem com mala e alça, disto sabemos,
mais o peso do corpo e sua história.
Anibal Beça
GOLA DE CROCHE
ÚLTIMO ROUND
O vento que de verde tudo varre
não varre esta floresta onde eu habito.
Espana roxas nódoas de um espárringue
que sou eu mesmo a rir por esses ringues.
Porradas que me dou? Mero detalhe,
de quem passou a vida sem ter sido
sendo, o sabido súdito do anárquico.
Não fui, não sou, não quero ser doído.
O menestrel choroso? Este não vale,
perdeu-se pelos socos de outras divas
em noites desbotadas na paisagem.
Mas então, o que fica dessa trilha?
ora, amigo, nocautes dessa aragem
varrida nos cruzados descaminhos.
Anibal Beça
FLOR BRANQUINHA
SONETO DE ANIVERSÁRIO
Setembro me agasalha nos seus galhos
e de amor canto no seu verde ventre:
Eis a ventura vaga em danação,
bronze canonizado nas cigarras.
O canto é breve, fino, e já anuncia
o inconfundível som do último acorde:
aquele dó de peito em nó estrídulo.
Como Bashô sonhara, é despedida
que mal se sabe, é morte anunciada,
canora liturgia sazonal.
Em setembro me mato e me renasço
em canto livre, rouco, sem ter palco,
representando de cor e salteado
o meu 13, que é fado e sortilégio.
Anibal Beça
CACHECOL DE LÃ
ARS POÉTICA
Nesse afago do meu fado afogado
as águas já me sabem nadador.
A rês na travessia marejada
gado da grei de um mar revelador.
Vou e volto lambendo o sal do fardo
língua no labirinto, ardendo em cor
furtiva, enquanto messe temperada,
da tribo das palavras sou cantor.
Procuro em frio exílio tipográfico
o verbo mais sonoro em melodia
o ritmo para a cal de um pasto cáustico.
Sou boi e sou vaqueiro dia a dia
no laço entrelaçado fiz-me prático
catador de capins nas pradarias.
Anibal Beça
PAPAI NOEL
NOSSA LÍNGUA
para o poeta Antoniel Campos*
O doce som de mel que sai da boca
na língua da saudade e do crepúsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.
É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu músculo
na hora que é preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opúsculo.
Dizer e maldizer do mel ao fel
é fado de cantigas tão antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abriga
na língua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que não se cala.
* "filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra língua a minha língua cale."
Anibal Beça
para o poeta Antoniel Campos*
O doce som de mel que sai da boca
na língua da saudade e do crepúsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.
É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu músculo
na hora que é preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opúsculo.
Dizer e maldizer do mel ao fel
é fado de cantigas tão antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abriga
na língua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que não se cala.
* "filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra língua a minha língua cale."
Anibal Beça
FLOR
SONETO QUEBRADIÇO
Mão minha com maminha movediça
traçando vai na limpa areia branca
versos cambaios, frouxos, na liça
língua caçanje, claudicante, manca.
No pé quebrado o ritmo se atiça
para dançar com rimas pobres, franca
trança de cambalhota tão cediça,
que me corrompe o salto e que me estanca.
Queda de braço nas quebradas quebras
vou me quebrando como um bardo gauche:
pelas savanas sou mais uma zebra.
Mas consciente desse torto approuch
já me socorre a gíria de alma treta
para solar meu solo nos ouvidos moucos.
Anibal Beça
Mão minha com maminha movediça
traçando vai na limpa areia branca
versos cambaios, frouxos, na liça
língua caçanje, claudicante, manca.
No pé quebrado o ritmo se atiça
para dançar com rimas pobres, franca
trança de cambalhota tão cediça,
que me corrompe o salto e que me estanca.
Queda de braço nas quebradas quebras
vou me quebrando como um bardo gauche:
pelas savanas sou mais uma zebra.
Mas consciente desse torto approuch
já me socorre a gíria de alma treta
para solar meu solo nos ouvidos moucos.
Anibal Beça
FLOR
SONETO QUEBRADIÇO
Mão minha com maminha movediça
traçando vai na limpa areia branca
versos cambaios, frouxos, na liça
língua caçanje, claudicante, manca.
No pé quebrado o ritmo se atiça
para dançar com rimas pobres, franca
trança de cambalhota tão cediça,
que me corrompe o salto e que me estanca.
Queda de braço nas quebradas quebras
vou me quebrando como um bardo gauche:
pelas savanas sou mais uma zebra.
Mas consciente desse torto approuch
já me socorre a gíria de alma treta
para solar meu solo nos ouvidos moucos.
Anibal Beça
Mão minha com maminha movediça
traçando vai na limpa areia branca
versos cambaios, frouxos, na liça
língua caçanje, claudicante, manca.
No pé quebrado o ritmo se atiça
para dançar com rimas pobres, franca
trança de cambalhota tão cediça,
que me corrompe o salto e que me estanca.
Queda de braço nas quebradas quebras
vou me quebrando como um bardo gauche:
pelas savanas sou mais uma zebra.
Mas consciente desse torto approuch
já me socorre a gíria de alma treta
para solar meu solo nos ouvidos moucos.
Anibal Beça
VIDROS DE NATAL
PARA QUE SERVE A POESIA?
De servir-se utensílio dia a dia
utilidade prática aplicada,
o nada sobre o nada anula o nada
por desvendar mistério na magia.
O sonho em fantasia iluminada
aqui se oferta em módica quantia
por camelôs de palavras aladas
marreteiros de mansa mercancia.
De pagamento, apenas um sorriso
de nuvens, uma fatia de grama
de orvalho e o fugaz fulgor de astro arisco.
Serena sentença em sina servida,
seu valor se aquilata e se esparrama
na livre chama acesa de quem ama.
Anibal Beça
terça-feira, 31 de maio de 2011
FLOR VERMELHA
Eu vi a linda Jônia e, namorado,
fiz logo voto eterno de querê-la;
mas vi depois a Nise, e é tão bela,
que merece igualmente o meu cuidado.
A qual escolherei, se, neste estado,
eu não sei distinguir esta daquela?
Se Nise agora vir, morro por ela,
se Jônia vir aqui, vivo abrasado.
Mas ah! que esta me despreza, amante,
pois sabe que estou preso em outros braços,
e aquela me não quer, por inconstante.
Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
ou faze destes dois um só semblante,
ou divide o meu peito em dois pedaços!
Alvarenga Peixoto
É NATAL
De açucenas e rosas misturadas
não se adornam as vossas faces belas,
nem as formosas tranças são daquelas
que dos raios do sol foram forjadas.
As meninas dos olhos delicadas,
verde, preto ou azul não brilha nelas;
mas o autor soberano das estrelas
nenhumas fez a elas comparadas.
Ah, Jônia, as açucenas e as rosas,
a cor dos olhos e as tranças d'oiro
podem fazer mil Ninfas melindrosas;
Porém quanto é caduco esse tesoiro:
vós, sobre a sorte toda das formosas,
inda ostentais na sábia frente o loiro!
Alvarenga Peixoto
PEQUENA FLOR
Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
e a mão da Noite embrulha os horizontes;
não cantam aves, não murmuram fontes,
não fala Pã na boca dos pastores.
Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.
Vênus, Palas e as filhas da Memória,
deixando os grandes templos esquecidos,
não se lembram de altares nem de glória.
Andam os elementos confundidos:
ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
sempre o mais triste foi para os vencidos!
Alvarenga Peixoto
e a mão da Noite embrulha os horizontes;
não cantam aves, não murmuram fontes,
não fala Pã na boca dos pastores.
Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.
Vênus, Palas e as filhas da Memória,
deixando os grandes templos esquecidos,
não se lembram de altares nem de glória.
Andam os elementos confundidos:
ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
sempre o mais triste foi para os vencidos!
Alvarenga Peixoto
BOLSA LINDA
A Maria Ifigênia
Em 1786, quando completava sete anos.
Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa
vem conduzir a simples natureza,
é hoje que o teu mundo principia.
A mão que te gerou teus passos guia,
despreza ofertas de uma vã beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do filho de Maria.
Estampa na tua alma a caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da verdade.
Tudo o mais são idéias delirantes;
procura ser feliz na eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.
Alvarenga Peixoto
BOTINHA DE NATAL
Entro pelo Uraguai: vejo a cultura
Das novas terras por engenho claro;
Mas chego ao Templo magnífico e paro
Embebido nos rasgos da pintura.
Vejo erguer-se a República perjura
Sobre alicerces de um domínio avaro:
Vejo distintamente, se reparo,
De Caco usurpador a cova escura.
Famoso Alcides, ao teu braço forte
Toca vingar os cetros e os altares:
Arranca a espada, descarrega o corte.
E tu, Termindo, leva pelos ares
A grande ação já que te coube em sorte
A gloriosa parte de a cantares
Alvarenga Peixoto
CACHECOL LINDO
XLI
Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno...
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.
Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.
Cantam esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos...
Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte...
Alphonsus de Guimaraens
ROSA AZUL
LXXV
Como se moço e não bem velho eu fosse
Uma nova ilusão veio animar-me.
Na minh'alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.
Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios que vinham desolar-me.
Vi-me no cimo eterno da montanha,
Tentando unir ao peito a luz dos círios
Que brilhavam na paz da noite estranha.
Acordei do áureo sonho em sobressalto:
Do céu tombei aos caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tão alto...
Alphonsus de Guimaraens
CACHECOL
XIX
Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.
As estrelas dirão: - "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu, silente e fria... "
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.
Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"
Alphonsus de Guimaraens
CAPACHO
IV
Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visões crepusculares...
Tu és uma ave que perdeu o ninho.
Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vês no azul o teu caixão de pinho.
És a essência de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas...
- Harpa dos crentes, cítola da prece...
Lua eterna que não tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandálias trazes...
Alphonsus de Guimaraens
CACHECOL
X
Hirta e branca... Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lírios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios.
De mãos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade Média, morta em sagrados delírios.
Os poentes sepulcrais do extremo desengano
Vão enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.
Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente...
Alphonsus de Guimaraens
segunda-feira, 30 de maio de 2011
ALFABETO
II
Celeste... É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste...
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?
Celeste... E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.
Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.
E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.
Alphonsus de Guimaraens
TUDO AZUL
II
Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.
Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...
Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...
Alphonsus de Guimaraens
GIRANDO O SOL
Terceiro Canto
Cajás! Não é que lembra à Laura um dia
(Que dia claro! esplende o mato e cheira!)
Chamar-me para em sua companhia
Saboreá-los sob a cajazeira!
- Vamos sós? perguntei-lhe. E a feiticeira:
- Então! tens medo de ir comigo? - E ria.
Compõe as tranças, salta-me ligeira
Ao braço, o braço no meu braço enfia.
- Uma carreira! - Uma carreira! - Aposto!
A um sinal breve dado de partida,
Corremos. Zune o vento em nosso rosto.
Mas eu me deixo atrás ficar, correndo,
Pois mais vale que a aposta da corrida
Ver-lhe as saias a voar, como vou vendo.
Alberto de Oliveira
PORTA COPOS
Flor de Caverna
Fica às vezes em nós um verso a que a ventura
Não é dada jamais de ver a luz do dia;
Fragmento de expressão de idéia fugidia,
Do pélago interior bóia na vaga escura.
Sós o ouvimos conosco; à meia voz murmura,
Vindo-nos da consciência a flux, lá da sombria
Profundeza da mente, onde erra e se enfastia,
Cantando, a distrair os ócios da clausura.
Da alma, qual por janela aberta par e par,
Outros livre se vão, voejando cento e cento
Ao sol, à vida, à glória e aplausos. Este não.
Este aí jaz entaipado, este aí jaz a esperar
Morra, volvendo ao nada, - embrião de pensamento
Abafado em si mesmo e em sua escuridão.
Alberto de Oliveira
Fica às vezes em nós um verso a que a ventura
Não é dada jamais de ver a luz do dia;
Fragmento de expressão de idéia fugidia,
Do pélago interior bóia na vaga escura.
Sós o ouvimos conosco; à meia voz murmura,
Vindo-nos da consciência a flux, lá da sombria
Profundeza da mente, onde erra e se enfastia,
Cantando, a distrair os ócios da clausura.
Da alma, qual por janela aberta par e par,
Outros livre se vão, voejando cento e cento
Ao sol, à vida, à glória e aplausos. Este não.
Este aí jaz entaipado, este aí jaz a esperar
Morra, volvendo ao nada, - embrião de pensamento
Abafado em si mesmo e em sua escuridão.
Alberto de Oliveira